quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Entrevista com Roberto Shinyashiki - Revista Isto é


A revista ISTO É publicou esta entrevista de
Camilo Vannuchi. O entrevistado é Roberto
Shinyashiki, médico psiquiatra, com Pós-Graduação
em administração de empresas pela USP, consultor
organizacional e conferencista de renome nacional
e internacional.
'Cuidado com os burros motivados'

Em 'Heróis de Verdade', o escritor combate a
supervalorização das aparências, diz que falta ao
Brasil competência, e não auto-estima.

ISTO É - Quem são os heróis de verdade?

Roberto Shinyashiki -- Nossa sociedade ensina que,
para ser uma pessoa de sucesso, você precisa ser
diretor de uma multinacional, ter carro
importado, viajar de primeira classe.

O mundo define que poucas pessoas deram certo.

Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa,
há milhares de funcionários que não chegaram a ser
gerentes.

E essas pessoas são tratadas como uma multidão de
fracassados.

Quando olha para a própria vida, a maioria se
convence de que não valeu à pena, porque não
conseguiu ter o carro, nem a casa maravilhosa.

Para mim, é importante que o filho da moça que
trabalha na minha casa, possa se orgulhar da mãe.

O mundo precisa de pessoas mais simples e
transparentes.

Heróis de verdade são aqueles que trabalham para
realizar seus projetos de vida, e não para
impressionar os outros.

São pessoas que sabem pedir desculpas e admitiram
que erraram.

ISTO É -- O Sr. citaria exemplos?

Shinyashiki -- Quando eu nasci, minha mãe era
empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete
anos, empregado em uma farmácia.

Morávamos em um bairro miserável em São Vicente
(SP) chamado Vila Margarida. Eles são meus heróis.

Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje
estão bem.

Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa em que
está escrito '100% Jardim Irene'.

É pena que a maior parte das pessoas esconda suas
raízes.

O resultado é um mundo vítima da depressão, doença
que acomete hoje 10% da população americana.

Em países como o Japão, a Suécia e a Noruega, há
mais suicídio do que homicídio.

Por que tanta gente se mata?

Parte da culpa está na depressão das aparências,
que acomete a mulher, que embora não ame mais o
marido, mantém o casamento, ou o homem que passa
décadas em um emprego, que não o faz se sentir
realizado, mas o faz se sentir seguro.

ISTO É -- Qual o resultado disso?

Shinyashiki -- Paranóia e depressão cada vez mais
precoce.

O pai quer preparar o filho para o futuro e mete o
menino em aulas de inglês, informática e mandarim.
Aos nove ou dez anos a depressão aparece.

A única coisa que prepara uma criança para o
futuro, é ela poder ser criança.

Com a desculpa de prepará-los para o futuro, os
malucos dos pais estão roubando a infância dos
filhos. Essas crianças serão adultos inseguros e
terão discursos hipócritas.

Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo
corporativo.

ISTO É - Por quê?

Shinyashiki -- O mundo corporativo virou um mundo
de faz-de-conta, a começar pelo processo de
recrutamento.

É contratado o sujeito com mais marketing pessoal.

As corporações valorizam mais a auto-estima do que
a competência.

Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma
moça que respondia todas as minhas perguntas com
uma ou duas palavras.

Disse que ela não parecia demonstrar interesse.

Ela me respondeu estar muito interessada, mas como
falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho
dela, e não a conversa. Até porque ela era
candidata a um emprego na contabilidade, e não
de relações públicas.

Contratei-a na hora.

Num processo clássico de seleção, ela não passaria
da primeira etapa.

ISTO É -- Há um script estabelecido?

Shinyashiki -- Sim. Quer ver uma pergunta
estúpida feita por um presidente de
multinacional no programa 'O Aprendiz'?

- Qual é seu defeito?

Todos respondem que o defeito é não pensar na vida
pessoal:

- Eu mergulho de cabeça na empresa. Preciso
aprender a relaxar.

É exatamente o que o Chefe quer escutar.

Por que você acha que nunca alguém respondeu ser
desorganizado ou esquecido?

É contratado quem é bom em conversar, em fingir.

Da mesma forma, na maioria das vezes, são
promovidos aqueles que fazem o jogo do poder.

O vice-presidente de uma as maiores empresas do
planeta me disse:

'Sabe, Roberto, ninguém chega à vice-presidência
sem mentir'.

Isso significa que quem fala a verdade não chega a
diretor!

ISTO É -- Temos um modelo de gestão que premia
pessoas mal preparadas?

Shinyashiki -- Ele cria pessoas arrogantes, que
não têm a humildade de se preparar, que não têm
capacidade de ler um livro até o fim e não se
preocupam com o conhecimento.

Muitas equipes precisam de motivação, mas o maior
problema no Brasil é competência.

Cuidado com os burros motivados.

Há muita gente motivada fazendo besteira.

Não adianta você assumir uma função, para a qual
não está preparado.

Fui cirurgião e me orgulho de nunca um paciente
ter morrido na minha mão.

Mas tenho a humildade de reconhecer que isso nunca
aconteceu graças a meus chefes, que foram sábios
em não me dar um caso, para o qual eu não estava
preparado.

Hoje, o garoto sai da faculdade achando que sabe
fazer uma neurocirurgia.

O Brasil se tornou incompetente e não acordou para
isso.



ISTO É -- Está sobrando auto-estima?

Shinyashiki -- Falta às pessoas a verdadeira
auto-estima.

Se eu preciso que os outros digam que sou o
melhor, minha auto-estima está baixa.

Antes, o ter conseguia substituir o ser.

O cara mal-educado dava uma gorjeta alta para
conquistar o respeito do garçom.

Hoje, como as pessoas não conseguem nem ser, nem
ter, o objetivo de vida se tornou parecer.

As pessoas parecem que sabem, parece que fazem,
parece que acreditam.

E poucos são humildes para confessar que não sabem.

Há muitas mulheres solitárias no Brasil, que
preferem dizer que é melhor assim.

Embora a auto-estima esteja baixa, fazem pose de
que está tudo bem.



ISTO É -- Por que nos deixamos levar por essa
necessidade de sermos perfeitos em tudo e de
valorizar a aparência?

Shinyashiki -- Isso vem do vazio que sentimos.

A gente continua valorizando os heróis.

Quem vai salvar o Brasil? O Lula.

Quem vai salvar o time? O técnico.

Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta.

O problema é que eles não vão salvar nada!

Tive um professor de filosofia que dizia:

'Quando você quiser entender a essência do ser

humano, imagine a rainha Elizabeth com uma crise
de diarréia durante um jantar no Palácio de
Buckingham'. Pode parecer incrível, mas a rainha
Elizabeth também tem diarréia.

Ela certamente já teve dor de dente, já chorou de
tristeza, já fez coisas que não deram certo.

A gente tem de parar de procurar super-heróis,
porque se o super-herói não segura a onda, todo
mundo o considera um fracassado.



ISTO É -- O conceito muda quando a expectativa não
se comprova?

Shinyashiki -- Exatamente.. A gente não é
super-herói nem superfracassado.

A gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias
de tristeza.

Não há nada de errado nisso.

Hoje, as pessoas estão questionando o Lula, em
parte porque acreditavam que ele fosse mudar suas
vidas e se decepcionaram.

A crise será positiva se elas entenderem que a
responsabilidade pela própria vida é delas.



ISTO É -- Muitas pessoas acham que é fácil para o
Roberto Shinyashiki dizer essas coisas, já que ele
é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?

Shinyashiki -- Tenho minhas angústias e
inseguranças. Mas aceitá-las faz minha vida fluir
facilmente.

Há várias coisas que eu queria e não consegui.

Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles
(risos). Meu filho mais velho nasceu com uma
doença cerebral e hoje tem 25 anos.

Com uma criança especial, eu aprendi que, ou eu a
amo do jeito que ela é, ou vou massacrá-la o resto
da vida para ser o filho que eu gostaria que
fosse.

Quando olho para trás, vejo que 60% das coisas que
fiz deram certo.

O resto foram apostas e erros.

Dia desses apostei na edição de um livro, que não
deu certo.

Um amigão me perguntou:

'Quem decidiu publicar esse livro?'

Eu respondi que tinha sido eu. O erro foi meu. Não
preciso mentir.



ISTO É - Como as pessoas podem se livrar dessa
tirania da aparência?

Shinyashiki -- O primeiro passo é pensar nas
coisas que fazem as pessoas cederem a essa
tirania e tentar evitá-las.

São três fraquezas:

A primeira é precisar de aplauso, a segunda é
precisar se sentir amada e a terceira é buscar
segurança.

Os Beatles foram recusados por gravadoras e nem
por isso desistiram.

Hoje, o erro das escolas de música é definir o
estilo do aluno.

Elas ensinam a tocar como o Steve Vai, o B. B.
King ou o Keith Richards.

Os MBAs têm o mesmo problema: ensinam os alunos a
serem covers do Bill Gates.

O que as escolas deveriam fazer é ajudar o aluno a
desenvolver suas próprias potencialidades.



ISTO É -- Muitas pessoas têm buscado sonhos que
não são seus?

Shinyashiki -- A sociedade quer definir o que é
certo. São quatro loucuras da sociedade..

A primeira é instituir que todos têm de ter
sucesso, como se eles não tivessem significados
individuais.

A segunda loucura é:

Você tem de estar feliz todos os dias.

A terceira é:

Você tem que comprar tudo o que puder. O resultado
é esse consumismo absurdo.

Por fim, a quarta loucura:

Você tem de fazer as coisas do jeito certo.

Jeito certo não existe.

Não há um caminho único para se fazer as coisas.

As metas são interessantes para o sucesso, mas não
para a felicidade.

Felicidade não é uma meta, mas um estado de
espírito.

Tem gente que diz que não será feliz, enquanto não
casar, enquanto outros se dizem infelizes
justamente por causa do casamento.

Você pode ser feliz tomando sorvete, ficando em
casa com a família ou com amigos verdadeiros,
levando os filhos para brincar ou indo à praia ou
ao cinema..

Quando era recém-formado em São Paulo, trabalhei
em um hospital de pacientes terminais.

Todos os dias morriam nove ou dez pacientes.

Eu sempre procurei conversar com eles na hora da
morte.

A maior parte pega o médico pela camisa e diz:

'Doutor, não me deixe morrer. Eu me sacrifiquei à
vida inteira, agora eu quero aproveitá-la e ser
feliz'.

Eu sentia uma dor enorme por não poder fazer nada.
Ali eu aprendi que a felicidade é feita de coisas
pequenas.

Ninguém na hora da morte diz se arrepender por não
ter aplicado o dinheiro em imóveis ou ações, mas
sim de ter esperado muito tempo ou perdido várias
oportunidades para aproveitar a vida.

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