quarta-feira, 30 de março de 2011

Perdão: uma análise psico-espiritual


“Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: ‘Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?’ Jesus respondeu: Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete.’” Mateus 18,21-22

Falar sobre o perdão é falar um pouco sobre nós mesmos. O que sentimos e o que vivenciamos na aventura de sermos seres humanos. No Evangelho de Mateus, Pedro pergunta a Jesus quantas vezes ele deve perdoar o irmão. Jesus responde que ele deve perdoar infinitamente.

Perdoar, porém, não é tão simples como a principio possa parecer. O perdão não é como apertar o interruptor para acender uma lâmpada. Perdoar é um processo que precisa ser vivenciado, assimilado. Não é algo mágico, que acontece da noite para o dia.

Uma ferida emocional leva tempo para ser curada. Quando um conflito se faz presente em uma relação dois lados são feridos: tanto quem ofendeu, quanto quem foi ofendido. Sempre será preciso que alguém dê o primeiro passo para o processo de reconciliação.

O perdão abrange três aspectos importantes:

1 – Perdoar ao outro: quem ofendeu precisa ser perdoado. E como perdoar alguém que nos abriu uma ferida enorme na alma? A misericórdia deve estar presente neste processo. Algumas perguntas se fazem importantes na etapa de tomada de consciência da realidade: o que levou alguém a me ofender? O que eu disse? O que eu não disse? Como estava o coração daquela pessoa que em ofendeu? Será que ele estava enfrentando algum problema naquele dia? Quando nos encontramos ele estava com ódio de alguém e descontou em mim? Como era nosso relacionamento antes do conflito? O que eu falei que não devia ter falado? O que a pessoa falou que não devia ter falado? Se Jesus estivesse no meu lugar como ele teria agido com aquela pessoa no momento do conflito? Eu me arrependo do que falei? O que posso fazer para superar este momento?

Dar tempo a si mesmo e ao outro para que tudo possa ser assimilado é importante. Enquanto a poeira da raiva não baixar é inútil procurar uma reconciliação. Onde a brasa está acessa, um graveto colocado pode reacender o fogo. Há tempo para tudo! Tempo para refletir, tempo para aceitar os erros e tempo para a reconciliação.

2 – Perdoar a si mesmo: há pessoas que carregam dentro de si a ferida da culpa. O tempo passou, mas a ferida de 5,10, 35, 50 anos atrás continua aberta e sangrando. Não conseguem se perdoar. Carregam dentro de si a culpa do passado. Vivem no presente com o pensamento no erro que não poderá ser desfeito. Culpam-se dia e noite e não conseguem se perdoar.

O passado não pode voltar. Por mais que se deseje é impossível voltar ao passado e reconstruir uma história. O presente é a chance que se tem de não cometer os mesmos erros de ontem. Aprende-se com o passado, mas não se pode mudá-lo.

Viver nos erros passados causa desgaste emocional e espiritual. A culpa do passado impede a ferida de cicatrizar-se. O hoje é a chance que Deus nos dá de reescrevermos nossa história de um modo totalmente novo. A cada dia temos a chance de recomeçarmos. O passado não volta, mas o presente pode ser uma bela chance de trilharmos o caminho de uma vida nova. Perdoar-se é fundamental para quem deseja ter paz na vida.

3 – Perdoar a Deus: muitas pessoas não conseguem assumir suas responsabilidades diante das escolhas que fizeram na vida. E quando não encontram alguém para descarregar suas frustrações, usam Deus como válvula de escape para destilarem seu ódio e revolta diante das consequências de suas opções.

Deus nos deu o livre-arbítrio. Temos a liberdade como dom e graça de Deus. Cada opção que fazemos traz consigo suas próprias consequências para nossa vida. Muitos não querem assumir as consequências de suas próprias escolhas e culpam a Deus pelos problemas, desvios e uma infinidade de outras causas de seus próprios atos. Não perdoam a Deus pelos erros que cometeram. Perdoar a Deus é um processo humano e espiritual que a pessoa deverá percorrer caso deseje recuperar a paz que um dia deixou de fazer morada em seu coração.

O perdão é essencial para quem deseja a paz com o próximo, consigo mesmo e com Deus. Estamos acompanhando a guerra na Líbia. Entretanto, em muitos corações a Líbia interior de muitas pessoas está em guerra há anos. Muitas famílias transformaram seus lares em verdadeiras Líbias: pais que necessitam perdoar seus filhos e filhos que necessitam perdoar seus pais.

Muitos cristãos estão transformando sua fé em campos de guerra: onde quem pensa diferente é inimigo declarado. Muitas comunidades e movimentos religiosos lutam pela verdade suprema e única.

O líder Muammar Gaddafi completou 41 anos no poder da Líbia. Há muitos corações onde o ódio e não perdão estão no comando da vida a mais de 41 anos.

O perdão é essencial. Mas ele só terá sentido se for concedido de coração. Perdão da “boca pra fora” é o mesmo que acender uma luz e ficar com os olhos vendados. O perdão é o caminho para a paz na humanidade com feridas abertas por inúmeros conflitos pessoais, espirituais e sociais.

Diácono Flávio Sobreiro

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